
Ao me ver no vestido, a vendedora me dirigiu aquele sorriso de encantamento que toda gestante costuma despertar. Sentindo-me uma espécie de impostora, apressei-me em avisar: aquela mulher de vestido florido não era bonita, muito menos radiante. Não poderia haver beleza em carregar tamanho sofrimento junto com o bebê. Eu sequer me sentia no direito de estar ali. Como quem tivesse decorado o estatuto da viúva, evitei sorrir diante do espelho. A vendedora continuava sorrindo, enxergando a grávida que sempre sonhei ser. Eu só conseguia ver a falta. Pensava em quem jamais me veria naquela roupa, com aquela barriga. No tom de quem confessa um crime, contei a história que não fazia sentido: o pai daquele bebê morrera dias antes. De repente, como lâmpada que se apaga. Um fato que jamais mereceria elogio.
Ela fechou a cortina e sentou-se ao meu lado. Em poucas palavras, revelou a própria história. Não tinha vinte anos quando o namorado tirou a própria vida, no dia em que ela prestava vestibular. Na porta da faculdade, depois do exame, viria a prova mais difícil: esperar por alguém que nunca chegaria. E naquele espaço pequeno, no abraço de duas desconhecidas, sentimentos contraditórios ficaram nus diante do espelho: assustados, imperfeitos, descobrindo semelhanças. Quando a cortina se abriu, saímos cúmplices — ela se apertando para vestir a minha dor; eu tentando caber no seu silêncio.
Com a sacola nas mãos, segui pelo corredor do shopping rumo ao estacionamento. Caminhei até o carro me sentindo menos só. Por alguns segundos, eu não estava a caminho de um lugar que não existia mais. Era apenas uma gestante comum, fazendo mais uma compra para matar o tédio da espera.
Tomara que caia, tomara que passe, tomara que seja só um pesadelo. Não era. Contar a qualquer pessoa sobre minha viuvez recente tinha se tornado um mau hábito. Quando finalmente a barriga não deixava espaço para duvidar da maternidade, precisei repetir aquela piada de mau gosto, na tentativa de acreditar.
Não era a primeira vez (e nem seria a última) que a vida tinha a ideia estapafúrdia de enfiar dois sentimentos contraditórios num ser humano só.
Uma grávida tentando embalar um medo recém-nascido. Um medo analfabeto, que me tirava as palavras diante de uma verdade que eu não podia abortar. Eu me espremia entre o bebê e a ausência. Só eu teria de me haver com eles.
Depois que meu filho nasceu, assumi o pacote inteiro. Cada emoção se achegava com folga. Só não fiz lugar para a apatia. Lembranças, perguntas, repetições. Não houve um dia sem riso ou lágrima. Chorei com intensidade, escrevi na mesma medida, fui capaz das piadas mais absurdas. E me apaixonei por aquele bebê, como anos antes pelo pai dele. Quantas vezes ninei o Francisco na esperança de que a minha dor também adormecesse.